O Projeto da Lei geral do licenciamento nº 2.159/2021, aprovado pelo Congresso Nacional o qual está sendo chamado como “PL da Devastação”, representa um dos mais graves retrocessos já impostos à política ambiental brasileira. Sob o pretexto de modernizar o licenciamento ambiental, o texto desestrutura pilares fundamentais da proteção ambiental, fragiliza a fiscalização e compromete a segurança de populações e ecossistemas inteiros.

O texto propõe flexibilizações perigosas, como a isenção de licenciamento para atividades do agronegócio e a dispensa desse processo para obras públicas e militares. Essas medidas representam uma ameaça direta à integridade de todos os biomas brasileiros — incluindo o Pampa, exclusivo do Rio Grande do Sul — e comprometem serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do clima, a fertilidade do solo e a disponibilidade de água.

Um dos aspectos mais preocupantes no texto do Projeto de Lei do chamado “PL da Devastação” é a ruptura institucional que ele promove na governança ambiental brasileira. Dentre os inúmeros retrocessos contidos no texto, destaca-se a transferência da responsabilidade de definir o que é ou não passível de licenciamento ambiental para os próprios órgãos licenciadores, de forma isolada e sem respaldo em normas gerais previamente estabelecidas. Essa mudança implode, na prática, a lógica de funcionamento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), que se baseia na atuação coordenada e colegiada entre os entes federativos e os conselhos deliberativos, como o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e, no caso do Rio Grande do Sul, o CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente). Ao permitir que cada órgão ambiental defina, de forma autônoma, os critérios de exigência ou dispensa de licenciamento, o PL rompe com a uniformidade e a previsibilidade do sistema, abrindo espaço para decisões arbitrárias, insegurança jurídica e desigualdade na aplicação da legislação ambiental entre os estados e municípios. Trata-se de um esvaziamento deliberado dos espaços de participação social e técnica que historicamente garantiram o equilíbrio entre desenvolvimento e proteção ambiental. Em vez de fortalecer os instrumentos de planejamento e gestão ambiental, o PL opta por desarticulá-los, favorecendo interesses imediatistas em detrimento do interesse público e da sustentabilidade.

Outro ponto crítico é que o Projeto de Lei ignora o direito à consulta prévia, livre e informada — um princípio fundamental estabelecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante aos povos indígenas e tribais o direito de serem ouvidos antes da implementação de medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente. Ao desconsiderar esse compromisso internacional ratificado pelo Brasil, o PL viola normas que asseguram a participação e a proteção dessas comunidades em decisões que impactam seus territórios e modos de vida. A exclusão dessas vozes do processo decisório é não apenas injusta, mas inconstitucional. 

A forma como o projeto foi aprovado também merece repúdio: em votação virtual, no apagar das luzes, com o plenário esvaziado e sem qualquer participação popular. Um tema de tamanha relevância para o presente e o futuro do país foi tratado com descaso, ignorando o clamor da sociedade civil, da comunidade científica e dos povos da floresta. “Que vergonha!”, declarou uma parlamentar, ao lembrar as 272 vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho — tragédia que, ironicamente, envolve uma das atividades que teve suas regras flexibilizadas pelo PL. A atualização do licenciamento ambiental é necessária, mas deve ser feita de forma democrática, com ampla participação dos órgãos ambientais, da ciência e da sociedade. 

É preocupante perceber que as decisões sobre o futuro ambiental do país estejam sendo tomadas com base prioritária nos interesses de setores produtivos diretamente envolvidos nas propostas de flexibilização. A falta de participação democrática compromete a proteção ambiental, a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Diante desse cenário, requer-se ao Senhor Presidente da República o veto integral ao Projeto de Lei nº 2.159/2021. O Brasil não pode abrir mão de seu patrimônio natural em nome de interesses imediatistas. O futuro exige responsabilidade.

DIREÇÃO ASFEPAM

Nota sobre as Ameaças da Lei 2.159/2021: Vetos Já!